DO RITO AO RITUAL

O Rito é o conceito e o Ritual a sua prática.

Assim tem sido há milénios, pelas mais diversas razões. Um simples aperto de mão, hoje, oculta um ritual antigo, já perdido nos meandros do esquecimento, da banalidade e da ignorância.

Rito e Ritual implicam cerimonial, solenidade, algo que exige rigor e conhecimento, porquanto nada disto se pratica pela via da ignorância ou do desleixo, por oposição ao rigor.

A China legou-nos o "Livro dos Ritos", Li Ji ou 禮記, colectânea dos ritos e cerimoniais desde os Zhou (1046 a 256 aC). 

Mais tarde, Confúcio, Lao tzu e a chegada do Budismo à China, iriam consolidar e diversificar mais ainda os ritos e rituais.

Durante o Renascimento chinês ocorrido na dinastia Tang (618-906) além dos viajantes que precederam Marco Polo, também do Japão e da Coreia chegaram estudantes do confucionismo que até  ocuparam postos na administração sediada em Chang'An.

Regressados ao Japão, constatamos que talvez as primeiríssimas levas de japoneses, estudantes confucionistas, tenham provocado a Reforma Taika, de 645, inspirada no modelo chinês e centrada na figura do imperador em detrimento da aristocracia, tendo-se tornado numa referência do fim do período Azuka.

É igualmente curioso notar que a capital chinesa de Chang'An se tornou no modelo para a belíssima cidade de Nara onde ainda hoje, junto aos templos, vivem em liberdade os cervos sagrados.

O gigantesco templo Todaiji em Nara

Estou inclinado a dizer que os japoneses mantiveram com maior vigor, os ritos e rituais que ainda hoje ajudam a estruturar a sua cultura através também do comportamento cívico e do reconhecimento do colectivo sobre o indivíduo.
Considero o Japão a síntese da cultura chinesa, mantendo hábitos milenares como o modo de sentar nos tatami, os diversos cerimoniais como a cerimónia do chá, e a inclusão do  Budismo  hegado via China, ao Xintoísmo animista nativo, com especial ênfase para o ramo Zen que não vingou tanto na China. 
Herdeiros de uma classe guerreira, dos Bushi 武士(guerreiros) e mais tarde Samurai (aquele que serve), toda a sua aprendizagem marcial foi feita sob a mais rigorosa disciplina e cerimonial, foi possível na história recente verificar a ferocidade bélica deste povo que tinha na mão uma espada e na outra um pincel. 
Tamanha resistência só foi abatida por duas bombas atómicas, em Hiroshima e Nagasaki – e que a humanidade se fique por aqui – para, no pós-guerra, ressurgir de outra forma. As casas dos senhores feudais transformaram-se em empresas, os samurai em empregados dedicados e super-disciplinados, provocando o ressurgimento de um país super organizado e igualmente admirador e gerador de beleza singular. 
Surge-me à memória o nome de Akio Morita, o fundador da Sony que se tornou um gigante. Funcionário ou operário que entrava, encontrava todo o acolhimento e só abandonava para se reformar. 
Numa viagem que fiz de Osaka a Tokushima, o autocarro atrasou-se um minuto. O condutor levantou-se, curvou-se profundamente e pediu gomen-nasai, desculpa pelo atraso.

Esta reflexão leva-me à conclusão de quão importantes são ritos e rituais, enfim, os valores em qualquer sociedade que se queira desenvolver. Dou outro exemplo: o motorista de qualquer táxi no Japão usa boné, gravata, no bolso da camisa está patente o seu cartão de motorista, usa luvas brancas e não é incomum estar de máscara, bem antes de se sonhar com a pandemia.

Faço notar que os alunos de uma escola participam na limpeza da escola como forma de ensino dos valores do civismo e da cidadania. O video que junto no fim é boa prova disso.

Mal vai a cultura e a sociedade que tenha perdido ritos e rituais porque a estrutura em que assenta corre sério risco de  desmoronamento. 
Mal das sociedades que estejam partidas, fragmentadas como os cacos de vidro de um copo estilhaçado. 
Mal da cultura que ensine os seus jovens a serem servidos sem nunca aprender o essencial da higiene, do civismo e da cidadania.
Importa em muito a anulação do ego em favor do colectivo. Assim funcionam as sociedades mais desenvolvidas.


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