DO COVIDAMENTO
Estamos num momento em que o "covidamento", mais comumente vulgarizado como confinamento, nos remete para dentro de portas.
Para o ser humano torna-se um dilema estar obrigado a regras que lhe restringem os movimentos. É como, para tantos, estar dentro de portas. É tudo, a meu ver, uma questão eminentemente cultural.
No ocidente, antes do Covid-19, ninguém usava máscaras quando grassavam as gripes. Na Ásia, sobretudo na China e no Japão, os habitantes usavam máscaras desde há muito, como prática de respeito pelos outros, prevenindo o contágio.
Em 2003 o SARS, Síndrome Respiratório Agudo, estalava em Hong Kong, matando 299 pessoas na ex-colónia britânica, e cerca de 800 em todo o mundo.
Passaram-se dezassete anos e, quando o alarme tocou na China, era Janeiro, devo aqui ter parecido um ET ao comprar uma caixa de máscaras, álcool, gel e sabão azul. Mais tarde um amigo enviou-me outra caixa de Macau no pico da especulação das protecções que por aqui ocorreu, talvez aí por volta de Março.
É verdade que sempre me senti confortável em casa e, sair para esticar as pernas, passear por passear sem destino, foi coisa que nunca me aliciou. Ao contrário de passear para conhecer.
Gosto de viver dentro de casa, e então quando vivia em Macau, face ao calor, ainda mais.
Talvez tenha sido por isso que tenha chegado à conclusão que estarmos em covidamento é uma ilusão. Desde que tomamos conhecimento de nós que estamos confinados, aprisionados, dentro da essência de “nós”, que chamo consciência, o que transforma o nosso corpo físico no nosso próprio confinador ou, se quiserem, no "sarcófago" onde existimos aprisionados, sem darmos por isso.
Dir-se-ia que fugimos com o corpo que temos, agora vulnerabilizado, para o bulício, que é a nossa realidade.
Realidade será, pois, além de tudo o que existe, o conjunto de interpretações que fazemos do mundo que nos rodeia e que conhecemos, produto da circunstância e do que esta fez de cada um de nós.
Vivemos num mundo ruidoso e feérico, com mais ruídos que sons, pelo que o silêncio se torna imperativo. Porque o silêncio serena, o silêncio permite a reflexão e o reencontro connosco ou, melhor dizendo, com aquilo a que chamamos consciência.
Nas últimas décadas, a ciência está a operar uma transição do modelo mecanicista-cartesiano, onde o universo é apresentado como uma vasta máquina relógio que pode descrever objectivamente, sem interferir minimamente no próprio processo de cognição, em direcção a uma visão organo-quantum, onde o cosmos se desdobra como uma imensa rede de fenómenos intimamente interconectados e interdependentes, que inexoravelmente incluem o observador.
As teorias de vanguarda que integram o mundo objectivo e subjectivo na mesma realidade, determinam que a consciência e a vida constituem o eixo conceptual básico para a compreensão integral da vida e do universo. Para citar alguns defendem essa visão biológica e holística da realidade, que transcende o ponto de vista puramente físico, é a ecologia que inclui as relações entre os ecossistemas e expande os seus princípios às relações humanas através de ecologia social; biologia organicista, que se concentra não apenas na física-química das partes, mas também nas suas relações organizacionais; a física quântica, que propõe um universo unificado, através de uma teia complexa de relações entre as suas partes, onde o observador é parte integrante do quebra-cabeças. A teoria dos sistemas, onde as propriedades das partes só podem ser compreendidas a partir da organização geral do todo.
Finalmente, podemos citar uma teoria inovadora chamada O biocentrismo emergiu como teoria que aponta que tudo gira em torno da vida como indica o seu nome e, na essência, quer transmitir que a vida e a consciência são fundamentais para entender a natureza do universo.
Esta teoria foi proposta por Robert Lanza, um dos físicos de maior prestígio no actual panorama científico. A sua formação profissional e académica, acompanhada de uma visão aberta e sem preconceitos da realidade, levou-o a questionar parte do capital da tese para a ciência. Entre eles, essa consciência é um subproduto das reações neuroquímicas que ocorrem no cérebro, ou que o universo é a consequência de uma magnífica explosão original, o big bang. Teorias que penetraram profundamente no subconsciente colectivo e que originam um sistema de crenças limitativas para um progresso pessoal e social adequado.
A teoria do big bang teve que ser retocada várias vezes para se adaptar às novas descobertas de astrónomos e físicos, desde que foi formulada pela primeira vez.
Perante o facto de os cientistas mais eminentes em física quântica verificaram que não coincidem com o conteúdo de suas previsões teóricas, existem hoje vários modelos de interpretação para explicar a realidade quântica.
A consciência, chave para completar o quebra-cabeças
Talvez – citando Robert Lanza – tenhamos esquecido na interpretação do Universo um elemento essencial chamado consciência, uma peça de um puzzle que o paradigma predominante tem tentado contornar porque não se encaixa num mundo objectivo e materialista, independente e alheio a qualquer percepção da consciência disso.
Precisamente, a consciência é a pedra angular dos sete princípios que compõem sua teoria:
1. O que percebemos como realidade exige a participação da consciência.
2. As nossas percepções externas e internas são dois lados da mesma moeda, que não podem ser separadas.
3. O comportamento das partículas sub-atómicas e, finalmente, de todas as partículas e objectos, está inexoravelmente ligada à presença de um observador.
4. Sem consciência, a matéria reside num estado indeterminado de probabilidade.
5. O universo é perfeitamente ajustado para que haja vida nele, que tem um significado real, já que a vida cria o universo, e não o contrário. O universo é simplesmente a lógica espaço-temporal do ser.
6. O tempo é o processo pelo qual percebemos as mudanças no universo, que não tem existência real fora da percepção dos animais sensoriais.
7. O espaço, como o tempo, não são objectos. São outra forma de compreensão humana e carecem de realidade independente. Assim, não há matriz absoluta da sua própria existência e independente da vida em que os eventos físicos ocorrem.
E, perante isto, recordo quão avançado estava Buda e a sua formulação de Maya, a ilusão, por contraposição à consciência-conhecimento, Vydia.
Nada disto é novo, mas talvez a questão da consciência venha trazer um novo paradigma ao mundo ocidental, pois o Budismo já comporta esse conhecimento.
Curiosamente, António Damásio diz, no prefácio de “O Sentimento de Si” que “a distinção entre emoção e sentimento não foi apenas muito útil para entender a neurofisiologia destes distintos fenómenos, mas é também indispensável para compreender o alcance biológico dos sentimentos e o facto de a experiência mental tem, em si mesma, um papel importante a desempenhar na regulação da vida. Sem a possibilidade da experiência mental dos estados do corpo que os sentimentos nos proporcionam, não nos seja possível concentrar a atenção em certos problemas e em certas opções de resposta de modo a aceitar ou formular as melhores alternativas e rejeitar as menos boas”.
Assim, um confinamento passa a ser para muitos, um estado, uma emoção que escorre para o sentimento que, muitas vezes c0nduz ao contágio.
A existir, é talhado sobretudo para aqueles que ainda buscam no exterior a sua interioridade.
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