A BICLAS E A MADRUGADA
Como sempre desperto cedo. Despertar cedo é acordar dentro da tua mente, é estares com as ideias claras. Nunca despertei de outra maneira. Talvez às vezes me tenha virado para o outro lado. Mas não nesta idade.
Abro os olhos no escuro, e sei que as horas estão no telemóvel na mesinha do meu lado esquerdo. Olho, são cinco da manhã. Penso que vou fazer um abdominal e silenciosamente os meus rectos anteriores do abdómen puxam-me o tronco para cima, rodo e ponho os pés descalços na madeira do chão. Tal como os passarinhos, vou com mil cuidados abrir a porta da casa de banho, fecho-a, e acendo um candeeiro de luz intensa que trouxe de Macau. Basta um toque e, sem desdobrar o braço onde está a luz, mesmo assim, faz-se uma luminosidade intensa. Lavo o rosto para acordar os olhos, escovo os dentes e dou uma penteadela. Saído do quarto, sei que lá fora me esperam uns calções pretos, uma camisola de manga comprida da H&M, passe a publicidade, e umas confortáveis sapatilhas pretas.
Desço, meto no bolso a chave da corrente de segurança de bicicleta, abro a porta da casa e eis a minha biclas, ali especada, mais obediente que um cão, à espera que eu a solte.
Do lado de lá do portão descortino no chão um manto de folhas das três enormes árvores que se designam por ácer ou bordo, e que vão generosamente distribuindo folhas açucaras pelo chão, que se pegam aos sapatos todos os anos. Não me lembrava que o Outono delas é tão cedo.
Esta minha biclas tem uma história curiosa.
Abro os olhos no escuro, e sei que as horas estão no telemóvel na mesinha do meu lado esquerdo. Olho, são cinco da manhã. Penso que vou fazer um abdominal e silenciosamente os meus rectos anteriores do abdómen puxam-me o tronco para cima, rodo e ponho os pés descalços na madeira do chão. Tal como os passarinhos, vou com mil cuidados abrir a porta da casa de banho, fecho-a, e acendo um candeeiro de luz intensa que trouxe de Macau. Basta um toque e, sem desdobrar o braço onde está a luz, mesmo assim, faz-se uma luminosidade intensa. Lavo o rosto para acordar os olhos, escovo os dentes e dou uma penteadela. Saído do quarto, sei que lá fora me esperam uns calções pretos, uma camisola de manga comprida da H&M, passe a publicidade, e umas confortáveis sapatilhas pretas.
Desço, meto no bolso a chave da corrente de segurança de bicicleta, abro a porta da casa e eis a minha biclas, ali especada, mais obediente que um cão, à espera que eu a solte.
Do lado de lá do portão descortino no chão um manto de folhas das três enormes árvores que se designam por ácer ou bordo, e que vão generosamente distribuindo folhas açucaras pelo chão, que se pegam aos sapatos todos os anos. Não me lembrava que o Outono delas é tão cedo.
Esta minha biclas tem uma história curiosa.
a minha biclas em pose
Ia eu com o meu Cunhado quando me apeteceu entrar num centro comercial em adiantado estado de degradação, ainda não recuperado – segundo soube – da crise de 2008. Mesmo assim entrámos e fomos descobrindo um café muito degradado, depois duas ou três lojinhas de antiquários com máquinas de escrever e daquelas calculadoras de manivela que são hoje peças belíssimas para se ver, e eis que me deparo com a Velurb e bicicletas.
A Velurb (Velocípedes Urbanos)
Meto conversa com o senhor que estava dentro da loja, uma bicicleta a vedar a entrada, ambos de máscara. O senhor revela-se um excelente conversador. Que tinha trabalhado antes na venda de andares, mas tendo deixado de fumar, foi até ao Parque da Cidade (verdadeira maravilha e orgulho do Porto) e tendo-lhe custado a correr cinquenta metros, persistiu e agora dá 3 volas ao Parque.
Os meus olhos iam fitando as bicicletas. À minha pergunta respondeu que eram para alugar, quase todas, mas com a pandemia...
Mostrou-me uma, azul. Mas ainda precisava de ser preparada. Para segurar a dita, que custaria 60 euros, ofereci-me para um depósito. Que não. Na segunda-feira viria buscar a bicicleta, daria uma volta e se gostasse levava. É assim uma grande maioria da gente do Porto. Negócio sim, mas com muita honestidade, apesar dos tempos difíceis que o comércio atravessa.
Mostrou-me uma, azul. Mas ainda precisava de ser preparada. Para segurar a dita, que custaria 60 euros, ofereci-me para um depósito. Que não. Na segunda-feira viria buscar a bicicleta, daria uma volta e se gostasse levava. É assim uma grande maioria da gente do Porto. Negócio sim, mas com muita honestidade, apesar dos tempos difíceis que o comércio atravessa.
Na segunda-feira aprazada, lá estava eu. Mostrou-me um selim pequeníssimo com um rego profundo a meio. Que era para acomodar a próstata. "E como sabe que eu sofro disso?" sorriu e respondeu-me: "Ó meu amigo, eu tenho cinquenta e tal e já sei como é. Além disso só precisa de apoiar os ossos. As partes moles não tocam no selim". Eu a princípio soou-me a moelas, mas não podia ser. Depois percebi e sorri. Vendeu-me um capacete para esta cabeçorra, por 5 euros.
Feito este longo intróito que achei saboroso, e depois de ter levado uma ensaboadela de onde me posicionar na rua por causa dos automóveis, montei na minha biclas cheia de mudanças e pedalei em direcção a casa.
Mas é de madrugada que apetece andar na biclas. Saio do portão e por entre o grasnar das gaivotas que trocaram o mar por este espaço paradisíaco. Às 5:30 da matina tudo parece não um filme, mas uma fotografia. O silêncio é convidativo. A minha biclas roda no empedrado, vou em direcção à Rua da Boavista, rua miraculosa onde existe um notário, uma farmácia que não fecha ao domingo, o Centro de Saúde onde está a nossa médica de família, um centro de análises, cafés e restaurantes, notários, advogados, papelarias, uma delas como depósito dos Correios. Mais à frente, em direcção à Rotunda da Boavista estão casas lindíssimas como esta, que me faz sonhar:
Feito este longo intróito que achei saboroso, e depois de ter levado uma ensaboadela de onde me posicionar na rua por causa dos automóveis, montei na minha biclas cheia de mudanças e pedalei em direcção a casa.
Mas é de madrugada que apetece andar na biclas. Saio do portão e por entre o grasnar das gaivotas que trocaram o mar por este espaço paradisíaco. Às 5:30 da matina tudo parece não um filme, mas uma fotografia. O silêncio é convidativo. A minha biclas roda no empedrado, vou em direcção à Rua da Boavista, rua miraculosa onde existe um notário, uma farmácia que não fecha ao domingo, o Centro de Saúde onde está a nossa médica de família, um centro de análises, cafés e restaurantes, notários, advogados, papelarias, uma delas como depósito dos Correios. Mais à frente, em direcção à Rotunda da Boavista estão casas lindíssimas como esta, que me faz sonhar:
Uma transição criativa para a Art Deco com elementos decorativos inspiranos na Arte Nova
Do outro lado está a loja da Ferrari, com carros vermelhos dentro. Depois vem o Hospital (privado) dos Lusíadas e eis que me aproximo do Hospital das Forças Armadas, um belíssimo edifício de época. Entro na Rotunda e perscruto este fim de noite, um sem abrigo dormindo por baixo de caixotes de papelão, o silêncio e alguns néons acesos. Pedalo com o mesmo ritmo, nem devagar nem depressa. Os músculos ainda doem ao fim da 4a. madrugada, mas ignoro-os. Vá lá que não estou ofegante. Respiro profundamente os 17º da manhã que ameaça transformar-se, de tarde, em 31º graus, coisa que deixou de ser insólita.
E eis o vulto da Casa da Música. Por lá a administração despediu vários funcionários que ganhavam a recibo verde, uma intolerável precaridade que este país terá de resolver quando os tempos forem mais amenos.
E eis o vulto da Casa da Música. Por lá a administração despediu vários funcionários que ganhavam a recibo verde, uma intolerável precaridade que este país terá de resolver quando os tempos forem mais amenos.
Descubro uma ciclovia a rasar o passeio da Casa da Música. Vou por aí abaixo sabendo que depois vou ter de vir por aí acima.
E o silêncio continua. Hoje nenhum carro distribui jornais. Volto a subir, entro na Rotunda e vejo dois táxis parados, um ao pé do Tabernáculo e outro mais adiante, o rádio ligado, quase um sem abrigo dentro de um caixote de ferro, que quase ninguém pega táxis.
E o silêncio continua. Hoje nenhum carro distribui jornais. Volto a subir, entro na Rotunda e vejo dois táxis parados, um ao pé do Tabernáculo e outro mais adiante, o rádio ligado, quase um sem abrigo dentro de um caixote de ferro, que quase ninguém pega táxis.
Os rectos anteriores das coxas começam a refilar enquanto regresso pelo mesmo caminho, sobre um passeio de calçada à portuguesa, que aqui faz todo o sentido, e a biclas desliza por si até ao portão.
Lá vai ela para o castigo, presa pela segurança, não vá o mafarrico tecê-las. Ao lado mesmo, um sujeito assim para o largote, que chega tarde ao escritório, costuma dar uns arranques na sua mota antes de a desligar. São assim as pessoas e as suas idiossincracias.
Lá vai ela para o castigo, presa pela segurança, não vá o mafarrico tecê-las. Ao lado mesmo, um sujeito assim para o largote, que chega tarde ao escritório, costuma dar uns arranques na sua mota antes de a desligar. São assim as pessoas e as suas idiossincracias.
Regresso a casa certo de que as coxas já pararam de reclamar e estão quentes da pedalada.
As árvores continuam no mesmo sítio, as folhas também, e as gaivotas fazem voos rasantes sem propósitos descortináveis. Eu não voo, mas pedalo na minha biclas. Um encanto sentir o eminente despertar do dia, da vida que se agita. Que seja um bom dia.
As árvores continuam no mesmo sítio, as folhas também, e as gaivotas fazem voos rasantes sem propósitos descortináveis. Eu não voo, mas pedalo na minha biclas. Um encanto sentir o eminente despertar do dia, da vida que se agita. Que seja um bom dia.
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