EU PORTUGUÊS ME CONFESSO
Nós nunca nos realizamos.
Somos dois abismos – um poço
Fitando o céu
Fernando Pessoa
E neste simples e sábio poema nasce e se encerra a ideia daquilo que sou, parte ínfima, partícula invisível da Portugalidade.
Porém, a ideia desse conceito e estado estarão inacabados se não existir a completude do conhecimento, que é não ter regras do lugar.
É imperativo, para o acto de se nascer português, o rasgar do ventre da geografia, para a ela regressarmos vividos, renovados, acrescentados.
Apercebo-me muitas vezes, que o conceito entranhado de se ser português é um estranhamento face ao semelhante diverso.
Ser-se português parece ser uma conformidade herdada, não construída, edificada pela necessidade da viagem, por vezes alterosa, a haver em cada um.
Ser-se português não é uma satisfação digestiva, antes a irrequietude. É, tem de ser, a inquietação de Luís Vaz, o aventureirismo de Mendes Pinto, a bravura de Albuquerque, a insatisfação de Pessoa e a vivência do Passado ao Futuro.
Fomos mareantes talvez por intuição, que o salgado mar sempre apelou à viagem, essa jornada física e simbólica, espécie de retorta que recompõe os homens e os transforma numa outra espécie que, finalmente é, Pessoanamente, cosmopolita.
Só depois deste percurso necessário, impossível no virtual, se descobre a mais-valia da aventura, da deambulação, da viagem. É então que revejo as palavras de Ricardo Reis:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
A Portugalidade enquanto conceito, requer que nele se incorpore a dimensão, a geografia, as múltiplas formas de se ser português que, desde sempre ou quase, venho dizendo: eu, português asiático, em permanente trânsito entre nascente e poente.
Fruo não apenas Pessoa e os seus descendentes literários de todas as gerações, mas também os diferentes modos de se ser português, porque tanto (é o) mar que a todos nos une.
É nessas múltiplas formas de portugalidade que ao ouvir fado se me marejam os olhos pela idade, na emoção do retorno às raízes primeiras, de onde tudo começou. É a magia das palavras cantadas, poemas sem retorno, ancoradouro de uma cultura singular, mediterrânica, e seus desdobramentos dedilhados em trinados dolentes de vozes eloquentes.
Somos um todo tão miscigenado que, ao darmos mundos ao mundo, nos demos a diversidade. É assim que em Macau cabem, e muito, Pessanha e Silva Mendes, entre outros de um longo préstito onde a língua também é Património.
E é ao sabor do mediterrâneo e do Norte de África de que nos fala outro fadista, mais que isso, Ricardo Ribeiro, que viajamos então, também ao som das Mornas, da MPB, do Mandó goês até às Tunas de Macau, essa dimensão universalista em que me reconheço nas línguas que falo e nas pessoas que sou.
E para quem como eu no Levante nasceu, direi o inverso do Padre António Vieira:
Para nascer o Mundo (multicultural), para morrer Portugal.
Para nascer o Mundo (multicultural), para morrer Portugal.
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