O QUOTIDIANO DE UM PORTO D' AFECTOS

NOTAS DE AFECTUOSOS QUOTIDIANOS 

foto Google stock

Tenho, a propósito das cidades, a noção de que elas precisam de ter uma escala humana, onde estejam ausentes as imensas moles de gente, e as pessoas encontrem humanidade.
Assim é no "café das meninas". Chamamos carinhosamente assim a uma confeitaria que é operada apenas por mulheres. Ao fim de poucas idas fomos adoptados pelas senhoras que lá trabalham e que nos cumprimentam afectuosamente, uma com repenicados beijos, outras com sorrisos e palavras amigas. Tudo isto foi, primeiro, motivo de espanto, mas também de constatação de que por estas bandas, a exteriorização do afecto como linguagem é um livro, um rio mesmo. É o que as cidades fazem às suas gentes. Sempre lutei por isto, e vim aqui encontrar, neste Portogal.
Sai-se da confeitaria com um saco de pães-da-avó quentes a estalar e o coração adoçado pelos confeites e açúcares ditos pelas pessoas que por lá labutam. Bem próximo, um café onde o empregado nos saúda com um "olá gente boa" e nos pergunta "o que vai ser". Por vezes é um bife, mas nunca é assim. É sempre um bifinho com batatinhas. O mesmo para as Francesinhas. Ninguém pede uma francesa, que a memória das invasões ainda está nas moulettes. Este é o poder da língua portuguesa em geral, dos diminutivos com aromas diversos, consoante o lugar ou região.
Cruzo a rua para ir a uma caixa automática. Um senhor dos seus quarenta e tais anos sai do banco que existe aí. Cede-me a passagem porque os nossos trajectos se cruzam, insiste cortêsmente. Depois reparando que me dirijo para a caixa, diz-me que está avariada mas que posso ir a outra ali acima. Agradeço-lhe, e ele responde-me cordialmente" obrigado sou eu". No ar paira, sobretudo, uma boa vontade dos cidadãos, boa vontade em terem o trabalho de se deslocarem de onde estão para ajudarem. 
Aqui próximo, há laranjeiras carregadas de laranjas na divisória que separa a rua dos seus dois sentidos. Elas aí estão e ninguém as tira. Há um respeito disseminado que tanto me apraz.E é isto que vejo e recebo gratuitamente. É por isto que tanto me bati, e que se chama civismo. E agora usufruo.

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Pessoa escreveu sobre o estranhar e o entranhar. Se não estranhei Portugal desde a primeira adolescência, este Portogal entranha-se-me porque o que olho em torno é de uma enorme dignidade, casario histórico aparentemente pequeno, ocultando na rectaguarda o pátio ou o jardim. 
Aqui, a qualidade de vida é ainda maior, na proporção directa entre a percentagem de ruralidade e de urbanidade.
É essa mistura que confere esta magia, esse timbre pardacento essa arquitectura burguesa, seja das frentes pequenas, de um secreto intimismo, à opulência do Palácio da Bolsa.

arquitectura de frentes pequenas pequeno-burguesas


                                                                                                                                         foto Google stock
e do Salão Árabe do Palácio da Bolsa do Porto
sede da Associação dos Comerciantes do Porto

Não resisto, ainda, a referir o feminino, isto é, a origem das gentes. Há, na mulher portuguesa em geral, e na nortenha em particular, um legado dos germânicos suevos e visigodos, dos lusitanos, celtas, romanos. No dizer geral de Sobrinho Simões, os portugueses (e portuguesas) são uma notável mistura de genes, onde os cabelos claros ou morenos se entrecruzam com olhos cor de céu, de amendoa,  ou mesmo de mel, em combinações infinitamente díspares. 

Tudo isto é parte da magia do quotidiano desta cidade onde as relações são tranquilas, eivadas de respeito mútuo e cortesia. Assim se cumpre a cidadania, nesta minha modesta observisão, onde não cabem capelas ou capelinhas, círculos restritos ou de eleição, num momento da história do mundo em que a luta pela inclusão é unânime.
Que haja sempre um bom dia.

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